Primeiro é uma explosão seca e melancólica. Vindo sabe-se lá da onde. Do céu. Do vento. Do lado de lá.
De Alá não.
Alá é misericordioso.
Segundos antes de encrespar a terra e fecundar o fim, dá pra ouvir o barulho das rodas das carruagens de fogo. Rangerem. É o som do paraíso?
O filho, abaixado, escondido sob o lenço do pai. Olha lá o avião. Que colorido. Ele se imagina um pássaro e nem sente dor quando seu corpo miúdo desaba junto com o mundo e treme um pedaço de chão seco. Lá tudo é seco. Até os olhos das mães.
Ele é um menino. Não tem nome. Não te interessa. Não me interessa. Não interessa os anunciantes. Ele é o número 698 dos quase 900, e tem toda a pompa internacional. Você não o conhece. Eu não o conheço. Os anunciantes não o conhecem. Mas ele dá uma bela matéria do seu jornal. Suas mãos pequeninas pintadas de vermelho árido dão uma bela fotografia e é provável que você ganhe algum prêmio na Europa com ela, e estampe livros caros em salas de mobílias encouradas e caras; e daqui a 15 anos, quando o menino completaria 20 anos de ódio, você vai celebrar o aniversário da sua grande fotografia com muito champanhe e uísque para seus convidados que adoram champanhe e uísque.
Mas hoje ele ainda é menino e apenas jaz. Sem remorso, sem pompa, sem prêmio, sem sonho de ser mais pássaro. Ele jaz, apenas, e é contornado pelos limites dos olhos distantes e coléricos do pai, que revela as fotografias que você nunca verá nos jornais.
Semente (Gustavo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário